DE CLARICE, COM AMOR, PARA NÓS...

Oi pessoal... Como vocês estão?

No post de hoje, trago-lhes uma resenha literária.

Há tempos que não posto algum texto deste gênero, não é mesmo?

Espero, verdadeiramente, que curtam! :)

Crônicas Para Jovens, de Clarice Lispector

Aventurar-me pelo universo literário outrora ofertado por Clarice Lispector veio a se tornar uma realidade possível após meu ingresso no curso de Mestrado em Letras, área de concentração Literatura Brasileira. Recentemente, aliás, defendi minha Dissertação e, como não poderia ser diferente, publiquei breve post a respeito do processo de feitura deste incrível estudo o qual tive a oportunidade de realizar junto da Prof.ª Dr.ª Juliana Gervason Defilippo, minha parceira nas imersões acadêmicas atreladas às possibilidades de diálogos entre Literatura e Internet. Apesar de meus trabalhos no Mestrado não terem se voltado às especificidades vinculadas à obra da supramencionada escritora, obtive algum contato durante o curso. E sendo minha orientadora uma especialista e estudiosa da obra de Lispector, mais cedo ou mais tarde, inevitavelmente, isto deveria acontecer.

Dissertar sobre Clarice ou quaisquer outras escritoras é também abordar a respeito da história da Literatura Feminina, desde seus primórdios até suas mais atuais configurações. Neste sentido, podemos aqui nos recordar de discussões teóricas, atreladas ao gênero, desenvolvidas por Joan Scott, por exemplo, que o entende enquanto algo oposto ao sexo - constituinte da identidade biológica do ser humano. Ou, ainda, Judith Butler, que afirma que ao atuar além do território tradicionalmente a elas destinados, as mulheres, por si mesmas, promovem a desconstrução do gênero feminino.

E todas estas concepções quanto ao gênero e a feminilidade influenciaram, indubitavelmente, o modo de recepcionar os livros assinados por mulheres. É via escrita que, para além de encontrarem seus próprios tetos, como nos diria Simone de Beavoir, que as mulheres autoras de suas histórias - e de suas próprias vidas - projetam-se, em movimento introspectivo, para o interior de si próprias e, não tarde, também vem a se tornarem capazes de compartilhar seus anseios e suas descobertas. Isto é o quê, em suma, constatam Joel Birman e Toril Moi. Também, é adequado citarmos as importantes contribuições da antropóloga francesa Michèle Petit, haja vista sua crença no que se refere ao fato de que a transgressão realizada por indivíduos oprimidos - tal como as mulheres, no âmbito da produção literária -, os conduz rumo ao desvanecimento das imposições sociais.

Clarice Lispector, em território brasileiro, corresponde à mulher que nos é trazida à luz por estas estudiosas: transcendente de si e das amarras da sociedade - ainda, infelizmente - majoritariamente machista e patriarcal, regida por crenças e valores provenientes da cultura do homem branco, heterossexual e de classe alta - obrigada, Regina Deslcastagnè!

É adequado ressaltarmos o fato de que, obviamente, Adélia Prado e Lygia Fagundes Telles, entre inúmeras outras, também se figuram significativos exemplos de mulheres brasileiras que estiveram à frente de suas temporalidades e ocuparam seus espaços na Literatura, ainda que este caminhar tenha sido assinalado por consideráveis dificuldades. Por ora, todavia, nos atenhamos, apenas, ao legado de Clarice.

Há alguns dias finalizei a leitura do quarto e último livro constituinte da pequena coleção Crônicas Para Jovens, lançada pelo selo Jovens Leitores, pertencente à editora Rocco, a qual objetivara, primordialmente, tornar acessível o contato e a imersão de jovens leitores iniciantes na Literatura Brasileira em relação aos feitos literários de Clarice Lispector.

De maneira geral, os livros trazem ao conhecimento algumas das inúmeras crônicas produzidas por esta autora na época na qual as escrevia para os veículos comunicacionais impressos Jornal do Brasil e Última Hora. Como propriamente sugerido por estudiosos da Teoria Literária, os textos apresentados pelos volumes desta coleção são curtos e possuem, no máximo, três ou quatro páginas. Alguns, aliás, se constituem linhas ou, ainda, pequenos parágrafos. Trazem como motes fotografias imanentes ao cotidiano, tal como comumente preconizado por crônicas. A leitura é agradável, mas possui suas complexidades. Isto, pois muitos vocábulos e expressões se fazem habituais à época na qual os textos foram produzidos ou se constituem comuns ao uso da população carioca, por exemplo. Mas, de fato - aquilo que podemos talvez julgar como sendo fator de maior relevância -, oferta ao apreciador da obra a mais profunda experiência junto à escrita de Clarice, conhecida por seus momentos de epifania e reflexões acerca de conflitos e vivências pessoais.

As antologias de crônicas sobre as quais aqui se discorre apresentam diferentes prefácios, todos assinados pelo historiador Pedro Karp Vasquez. Os textos foram categorizados de acordo com temáticas em comum, o que facilita o norteamento do leitor quanto às possibilidades atinentes à condição de ser e estar na / da obra de Clarice Lispector.

Eis os títulos da coleção em destaque, seguidos de seus respectivos anos de publicação:

- De Amor e Amizade (2010)
- De Escrita e Vida (2010)
- Do Rio de Janeiro e Seus Personagens (2011)
- De Bichos e Pessoas (2012)

Em De Amor e Amizade, obtemos acesso a crônicas atinentes às relações de afeto e amizade estabelecidas entre Clarice, seus amigos e também familiares, bem como aquelas envolvendo indivíduos desconhecidos.

Momentos introspectivos e de importantes reflexões acerca das experiências de registro escrito e de natureza vital podem por nós ser melhor desbravados a partir da leitura de De Escrita e Vida.

Por sua vez, Do Rio de Janeiro e Seus Personagens apresenta-nos à despretensiosa Literatura de Clarice, uma vez que nos tornamos íntimos de sua essência enquanto carioca e conivente às particularidades dos habitantes da popular "Cidade Maravilhosa".

Ao término desta coleção, De Bichos e Pessoas corresponde ao livro responsável por trazer à luz as impressões de Lispector quanto às intricadas relações entre homens e animais.

Ainda que a editora tenha optado por classificar as crônicas sob diferentes títulos e temas, algo é correto afirmarmos: a obra de Clarice não sugere didatismos, ainda que a intenção seja a melhor possível. Isto, uma vez que todos os seus textos dialogam entre si, de uma maneira ou de outra, estabelecendo estreitas relações entre homens e animais, entre nós e a vida. Ao discorrer sobre o trajeto vital e o misterioso ato relativo ao seu desfrute, a autora nos ensina, quase como quem nada deseja, a vivê-la em meio às intempéries e bonanzas a ela inerentes. Assim, nos auxilia a melhor tentar compreender nossas existências.

Eis algumas brilhantes clarificações de Clarice - gostaram do trocadilho?:

De Amor e Amizade:

"Amizade é matéria de salvação" (Amizade Sincera)

"Meu mundo é feito de pessoas que são minhas - e eu não posso perdê-las sem me perder" (As Dores da Sobrevivência).

De Escrita e Vida:

"Pode-se ter vocação e não ter talento, isto é, pode-se ser chamado e não saber como ir" (As Três Experiências).

Do Rio de Janeiro e Seus Personagens:

"Eu sentia um medo bom de talvez estar perdida e nunca mais, porém nunca mais, encontrar a saída" (O Ato Gratuito).

"Muita coisa inútil na vida da gente serve como esse táxi: para nos transportar de um ponto útil a outro" (O Grupo).

De Bichos e Pessoas:

"Quem se recusa à visão de um bicho está com medo de si próprio" (Amor).

"Por pura sede de vida melhor estamos sempre à espera do extraordinário que talvez nos salve de uma vida contida" (A Morte de Uma Baleia).

"Nunca atingiremos em nós o ser humano [...]. E quem atinge o quase impossível estágio de Ser Humano, é justo que seja santificado" (A Morte de Uma Baleia).

É evidente que a autora em destaque possui inúmeros outros feitos no universo da Literatura, dentre contos, romances e, inusitadamente, histórias dedicadas ao público infantil. Recomendo a apreciação dos volumes da supracitada coleção. Esta é, certamente, uma boa maneira de se obter acesso no que tange à escrita de Clarice Lispector. <3

Só o que posso lhes desejar é, para além de uma ótima leitura, uma inesquecível e linda viagem - sem volta - ao incrível mundo da Sra. Lispector - ou, para os mais íntimos, ao manual de sobrevivência em nossa multifacetada sociedade contemporânea.

Aguardo seus comentários e suas sugestões! :)

Abraços! Até a próxima!

Jennifer.